O mundo existe, apesar dos jogadores não acreditarem nisso...
Existe um conceito de difícil compreensão para os jogadores e que eu só fui entender tanto a dificuldade, quanto o problema, recentemente, pois nunca havia pensado nisso. Geralmente quando me deparava com a situação, já achava que o problema eram os jogadores viajando na batatinha e pronto, inclusive, isso costumava ser um fator importante para se acabar campanhas em curso. Imagino que a idade e sabedoria de vida tenham ajudado nesse tipo de percepção, bem como da leitura de muitos materiais disponíveis atualmente (se a internet já ajudava no final dos anos 90, imagina hoje em dia) e de "assistir" (na verdade eu ouço no carro quando estou indo para o trabalho) alguns vídeos no Youtube gringos (Dungeon Dudes, the DM Lair e Dungeon Craft) que tratam de assuntos mais complexos do que o básico de se jogar RPG (eles também têm o básico, mas vão muito além).
Essa questão nunca foi um problema que tivesse ocorrido comigo como jogador, afinal de contas, comecei a mestrar com um intervalo muito pequeno de tempo (acho que menos de um ano após começar a jogar) e graças a esse fato, nunca fui afetado por isso, na verdade, penso a questão muitas vezes durante um jogo, afinal de contas, acredito que todo mestre sabe (e não é um conhecimento consciente, se trata muito mais de uma noção inconsciente que ocorre exatamente pelo fato de você mestrar e é natural) que o mundo existe e coisas estão acontecendo, independentemente dos jogadores.
Vamos a um exemplo prático, suponhamos que sua campanha tem um vilão muito forte que deve ser derrotado, e o mestre estipulou uma "rotina básica" para esse determinado vilão. Em determinados dias ele estará causando terror em vilas adjacentes ao seus domínios e, portanto, caso os jogadores resolvam ir exatamente na vila que ele estará aterrorizando nesse momento, irão encontrá-lo, assim como caso eles resolvam ir em seu covil, ele não estará lá.
Por vezes essas coisas passam despercebidas do jogador e ele fica nitidamente frustrado achando que seguiu as pistas corretamente para realizar algo e o resultado não foi o esperado Acontece que muitas vezes simplesmente não teve nenhum resultado e isso não está errado, pois realmente, não era para acontecer nada naquele momento específico e deixe-me falar uma coisa para você, isso está tudo bem. Simplesmente acontece e não há nada que os jogadores possam fazer para resolução da questão naquele momento específico.
É impressionante a quantidade de vezes que os jogadores ficam, como em um videogame, buscando aquela ação que desencadeie a cutscene esperada. Eles conversam aleatoriamente com pessoas na rua, acham que devido ao motivo de uma NPC (Non-Player Character, em outras palavras, todos os personagens que não são interpretados por um jogador, mas sim pelo Mestre) ter sido descrita com um certo nível de detalhes, significa que ela deve ter alguma parte na trama, que o fato de estarem procurando algum tipo de informação em uma loja específica, significa que ela estará disponível exatamente quando eles chegarem lá, e assim por diante. Eu poderia passar o dia inteiro aqui descrevendo situações como essas, que são super comuns, mas que não necessitam obrigatoriamente de uma intervenção totalmente direta por parte dos jogadores.
Tá, beleza, mas e aí, e eu como jogador, o que faço?
Bem, salvo nos casos onde o tempo é um fator e as coisas devem ser feitas da forma o mais rápida possível senão "o mundo vai acabar", o ideal é aproximar da situação com cautela e bom senso (entendo, isso anda bem em falta atualmente).
Ok, e como é isso?
Vamos a alguns exemplos?
- o grupo precisa entrar em contato com um espião, porém precisa de sigilo e discrição, eles só possuem uma descrição da aparência dele e que ele costuma frequentar uma taverna e aí, o que fazer? Bem, eu como jogador iria a taverna todos os dias até encontrar alguém com as características do espião, não iria perguntar a ninguém lá se viram ele, já que foram solicitados sigilo e discrição, ainda assim, após localizar uma pessoa com as características, tentaria me certificar de estar falando com a pessoa certa antes de tratar do assunto propriamente dito;
- há um rumor acerca de uma caverna repleta de tesouros localizada ao sul da cidade onde os aventureiros chegaram, o problema é que apenas um anão específico foi capaz de localizá-la e ninguém sabe onde ele se encontra, a última vez que ele foi visto estava na presença do governador local, um sujeito corrupto e maquiavélico que tem olhos em todos os lugares, e aí, como proceder? Nesse caso, sair perguntando pelo anão é uma forma muito infeliz de se atrair atenção indesejada, ainda mais de um governador corrupto! O ideal é gastar o tempo que for necessário na taverna local, dias, talvez até mais de uma semana, escutando rumores, participando de atividades, talvez ao ouvir alguém em outra mesa falando do assunto, seja interessante esperar um pouco e se aproximar com ofertas interessantes, verificando-se os interesses de quem está com as informações, ofertas de jogos de dardos, baralho, dados, etc., concursos de bebida, enfim, diferentes tipos de aproximação que não envolvam falar diretamente do assunto logo de cara, podem surtir bastante efeito, levando-se sempre em consideração que as primeiras investidas podem não obter sucesso algum, mas, quem sabe, após uns dias a pessoa acabe puxando o assunto por ela mesma;
- um ladrão está sendo procurado por aplicar golpes pesados em uma cidade, há uma recompensa vultuosa sobre sua cabeça e o grupo decidiu coletar ela, os aventureiros possuem a descrição de sua aparência e ele costuma frequentar uma estalagem de baixo calão, localizada em uma parte perigosa de uma grande cidade, onde há uma enorme probabilidade de os frequentadores do local e os trabalhadores o avisarem caso perguntem por ele e, com isso, ele pare de frequentar o lugar por um bom tempo, sem contar que existe ainda a chance de, no exato momento, ele estar escondido, sem frequentar nenhum lugar, até que a poeira baixe e ele possa voltar ao convívio social novamente, então, como agir? Pois é, nesse caso eu passaria a frequentar a taverna na esperança de encontrá-lo, caso não conseguisse, com um bom tempo já frequentando o lugar e criando laços (inclusive demonstrando que meu grupo também era de malfeitores, mesmo não sendo) eu iria procurar o elo mais fraco (geralmente um funcionário descontente com seu pagamento, ou algum bandido ralé querendo impressionar os superiores) e oferecer uma suntuosa quantia em dinheiro para que essa pessoa dedurasse onde eu poderia encontrar o ladrão.
Como se pode ver, nenhuma das situações é possível de se resolver de pronto, ou com alguma atitude mágica que se desenrole em uma cutscene como ocorre em jogos eletrônicos que possuem gatilhos para a ativação dos algoritmos. Geralmente são situações orgânicas que exigem conhecimento do lugar e dos NPCs envolvidos, que levam algum tempo para se desenrolarem e que envolvem um mundo que existe, independentemente da presença dos jogadores ou não. Portanto, não se sinta frustrado caso você e seu grupo se dirijam para um lugar onde é possível ocorrer uma aventura e ela não aconteça de imediato e vocês fiquem achando que os culpados são vocês que deixaram de perceber algo. RPG é bem mais simples do que isso, e muitas vezes o que está acontecendo simplesmente serve para ambientação e desenrolar de uma história em um tempo que não é o de uma cerveja acompanhada de uma refeição em uma taverna.
É importante informar que todas as sugestões fornecidas, são apenas isso... sugestões, nada impede que seu grupo tenha uma ideia diferente, mas leve sempre em consideração que tanto nas aventuras criadas por mestres como em aventuras publicadas, raramente existe uma solução mágica para esse tipo de interação. Na verdade esse tipo de coisa só ocorre em situações de armadilhas ou charadas, e somente se o mestre for muito incipiente, colocará uma barreira intransponível como essa em seu jogo.
Então, relaxe e divirta-se!